quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

As quotas baseadas no sexo e os argumentos do interesse e do mérito


Por motivos de saúde (ou de falta dela), infelizmente, ontem não pude assistir à Conferência proferida pela Presidente do Chile, Michelle Bachelet, na Gulbenkian, sobre “Género e Participação Política: a Experiência do Chile”, área que me interessa particularmente, neste momento.

Felizmente, hoje já “folheei alguns jornais”. Vi hoje no SOL que, de acordo com Michelle Bachelet, a entrada das mulheres na política chilena, que começou há 40 anos, tem sido muito lenta. Por exemplo, há, neste momento, 12 senadoras e 18 deputadas no Chile, e nas últimas eleições municipais, houve apenas 19% de candidatas.

Tal como no nosso país, segundo Bachelet, no Chile também “Não há entusiasmo por uma lei de quotas”.

Quando diz isto, é claro que Bachelet está a falar das quotas baseadas no sexo, as únicas que têm gerado polémica. É um facto que quase todos os sistemas políticos aplicam algum tipo de quotas, nomeadamente quotas geográficas, para assegurarem uma representação mínima para áreas densamente povoadas, etc., mas não me recordo de uma polémica assim. Por que será?

Em Portugal, a Lei da Paridade e o mecanismo das quotas baseadas no sexo, criados para procurar diminuir a desigualdade que existe entre homens e mulheres na política, também têm gerado forte controvérsia, emergindo frequentemente os argumentos do mérito pessoal e a falta de mulheres para os lugares. A incompetência surge como sinónimo das quotas. E parece mesmo haver um maior sentimento de injustiça relativamente às medidas do que à própria velha situação de discriminação contra as mulheres.

O que me impressiona é constatar que só agora, que as mulheres estão a entrar na política em maior número, é que se coloca a questão do “mérito”! Então, e os homens? Será que, por exemplo, todos os deputados que estão na Assembleia da República são competentes? Por que é que só as mulheres têm de provar que têm mérito?

Para a Presidente do Chile «não bastam quotas, há que encontrar um mecanismo para as tornar eficazes». Concordo plenamente. Aliás, este ano, em que a Lei da Paridade foi implementada em Portugal pela 1ª vez, vimos quão difícil será alterar o sistema se as medidas se mantiverem assim.

Apesar de a Lei da Paridade ter sido cumprida nas eleições europeias e legislativas, pelo menos, pelos 5 grandes partidos políticos portugueses, e das melhorias daí decorrentes tanto nas europeias (36% de eurodeputadas), como nas legislativas (29.2% de deputadas), no Governo e nas autarquias o poder político mantém-se masculino.

O que aconteceu este ano nas eleições autárquicas, em Portugal, foi flagrante. Para além de nenhum partido ter cumprido a Lei da Paridade (houve, pelo menos 63 listas, se bem me recordo), também houve quem cumprisse a lei, apenas para receber o subsídio, com o compromisso de, em seguida, devolver os lugares aos homens. E mais grave ainda, com o apoio de algumas mulheres.

Há, claramente, uma enorme resistência dos poderes instalados. Mas, por que será que estas mulheres se comportam assim?

Felizmente, um pouco como disse Michelle Bachelet, há algumas mulheres “mais duras de matar” que, sendo perseverantes e conscientes dos obstáculos que existem, conseguirão ultrapassá-los e conseguirão lá chegar e, principalmente, conseguirão lá permanecer. Só assim, no meu entender, haverá mais democracia.

Uma coisa é certa, tal como disse há uns dias, em entrevista ao Público, Elza Pais, a participação das mulheres nas 3 eleições por todo o país provou que as mulheres gostam da política e que têm vontade de participar na política, não tinham era tido a oportunidade de o fazer. Só por isso, a aplicação da Lei da Paridade já valeu a pena. Serviu para alertar algumas consciências.

A notícia que nos chegou da Freguesia de Alcafache, onde foi constituída uma lista só de mulheres, é um bom exemplo. E agora (sobretudo para aqueles/as que tanto questionam o mérito das mulheres) é esperar e ver do que é que elas são capazes :O)

1 comentário:

Anónimo disse...

A questão é: em que sentido as mulheres têm mais dificuldades do que os homens em por suas candidaturas nas ruas? Nenhum! O que acontece é que há mais homens interessados em se candidatar do que mulheres. Não cabe às cotas corrigirem isso, mas sim às mulheres se interessarem por participar das eleições.