Um dia destes vi um filme que uma amiga me emprestou. Fiquei muito impressionada! Fez-me recuar à minha infância e à minha aldeia natal.
O filme, de 2003, chama-se “Às Cinco da Tarde” e conta uma história de resistência e de sobrevivência. Muito resumidamente, após a queda do regime Talibã, no Afeganistão, as mulheres começam a poder voltar à escola. Uma destas mulheres é Noqreh (Agheleh Rezaie), que vai à escola, mas às escondidas do seu pai (Abdolgani Yousefrazi), que é muito conservador e desaprova! Para tal, o uso da burca torna-se um estratégia muito útil.
Um dia, é realizado um grande debate na escola sobre a “condição feminina” e a possibilidade de as mulheres conquistarem os mesmos direitos que os homens. O debate faz com que estas jovens mulheres despertem as consciências e comecem a sonhar que um dia, também elas, poderão ser candidatas à Presidência da República. É o caso de Noqreh, que, com a ajuda de um amigo, começa a colocar a ideia em prática e chega mesmo a realizar cartazes e a colá-los pela cidade. Contudo, a realidade é demasiado dura e faz com que, juntamente com a sua família, ela parta, numa viagem pelo deserto, à procura de um local onde possam sobreviver.
Ao ver este filme, recordei as estratégias usadas por algumas mulheres da minha aldeia natal, onde vivi até 1986, no Norte de Portugal. Os papeis de género eram bem claros: as mulheres cuidavam da casa, da família e do campo; os maridos “ganhavam o pão”. Como tal, a maior parte das mulheres estava dependente dos homens, seja do marido, seja do pai. Estes eram a autoridade. A violência doméstica era recorrente. Se actualmente existem homens conservadores e sexistas, não imaginam naquela altura. Mas tudo parecia ser visto como “normal”, como se fosse o destino. Se uma mulher saía de casa porque o marido lhe bateu, logo havia alguém (nomeadamente mulheres) que dizia, “- Ai, que vergonha. Volta para casa, ele é teu marido! E tens os teus filhos para criar, como vais fazer?” Se as/os filhos deixassem de falar com o pai, logo havia alguém que dizia “Tens de lhe perdoar. É teu pai!”. Questiono-me agora se alguém dizia isso ao pai!
Neste contexto, no mínimo retrógrado, as mulheres também recorriam a várias estratégias, no sentido de procurar atingir os seus objectivos. Por ser menina, muito cedo começaram a chamar-me à atenção sobre como devia lidar com o marido: como devia fazer isto, ou fazer aquilo, que não devia contar tudo ao marido, que não lhe devia dizer se tivesse algum dinheiro, etc...
Embora eu tenha nascido e crescido naquele ambiente, muito cedo comecei a pensar de forma diferente daqueles homens e mulheres. Desde muito cedo, na irreverência da juventude, eu dizia que ia ser uma mulher autónoma e que nunca admitiria que algum homem me tratasse daquela forma, nem que me batesse. Se
o fizesse, seria a primeira vez e a última! Elas riam-se e diziam “sim, sim!”. Chamava-me ingénua.
Já naquela altura eu lhes dizia, que nós, as mulheres, não somos passivas. Tal como os homens, somos pessoas activas. E que era muito mais saudável partilhar a vida com o marido ou companheiro, do que recorrer a estratégias mirabolantes, e fazer pela calada.
No verão passado, tive a oportunidade de voltar à minha terrinha uma semana inteira. A primeira impressão foi excelente. Está uma aldeia muito diferente da dos anos 80. Parece mais clara. As pessoas, muito graças às emigrantes, encarregaram-se de lhe lavar a cara. E cada casa é maior do que a outra.
No entanto, uma semana bastou-me para perceber que muitos daqueles homens continuam iguais, estagnaram no tempo, e que muitas daquelas estratégias continuam a ser usadas por algumas mulheres. E são estas que continuam a achar-me ingénua.
Este é, de fac to, um problema de ordem simbólica, para o qual as mulheres muito contribuem.
Por vezes, pergunto-me o que pensarão estes homens e mulheres quando vêem a minha relação com o meu marido e o que acham dele... Nem ouso escrever o que me veio à mente!
Esta foi uma das razões pelas eu decidi participar na organização da Marcha pelo Fim da Violência Contra as Mulheres.
No dia 25 de Novembro, Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres, vamos sair à rua para dizer “CHEGA!”.
Pode ver o evento também no Facebook: Marcha pelo Fim da Violência Contra as Mulheres
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